Divergência com CEI "Fio da Navalha" levanta questionamentos sobre imparcialidade das investigações parlamentares
O relatório final da CEI “Operação Enxofre”, recentemente divulgado pela Câmara Municipal de Joanópolis, reacendeu um debate antigo, mas nunca superado: o da seletividade nas investigações parlamentares e o uso desigual das ferramentas de fiscalização pública.
Apesar de apontar fortes indícios de irregularidades envolvendo a frota municipal – entre eles pagamentos suspeitos via PIX, uso de dinheiro público para abastecimento de veículos particulares e até uma possível interferência direta do ex-prefeito Adauto Batista de Oliveira no curso das apurações –, a comissão optou por não indiciar os principais envolvidos, frustrando expectativas de parte significativa da sociedade em detrimento da anterior que investigou, julgou, indiciou e expôs possíveis “réus”.
A justificativa do relator, vereador Guilherme Lazo Solano Neto, recai sobre a falta de tempo hábil para a análise de provas consideradas cruciais, como a quebra de sigilo bancário dos investigados. Embora autorizada pela Justiça, essa medida, segundo o relator, não pôde ser acessada em tempo. Também foi alegado que a sobreposição com os trabalhos da CEI “Fio da Navalha” teria prejudicado o andamento e o foco da CEI “Enxofre”.
Mas as explicações não convenceram. Críticos – entre eles membros da oposição, figuras respeitadas da sociedade civil e até integrantes da própria base do governo atual – viram na decisão um gesto calculado de recuo político. A comparação com a CEI “Fio da Navalha” é inevitável: aquela, ainda que criticada por certo rigor excessivo não hesitou em nomear investigados, recomendar indiciamentos e apresentar um relatório “robusto” e direto.
A “Operação Enxofre”, por outro lado, foi acusada de blindar politicamente agentes ligados ao atual ou ao ex-governo municipal, lançando dúvidas sobre sua real disposição em enfrentar os fatos com independência e coragem institucional. O relatório final parece escolher o caminho da cautela seletiva, sobretudo ao deixar de responsabilizar diretamente aqueles que, segundo as investigações, aparecem com fortes indícios de envolvimento em práticas que podem configurar desvio de verba pública.
“A CEI ‘Fio da Navalha’ mostrou estruturas muito mais complexas e mesmo assim foi até o fim, sem medo de nomear nomes e explicitar pessoas. Já a ‘Operação Enxofre’ mostrou que há filtros seletivos quando os investigados estão mais próximos de certas figuras políticas ou quando o poder econômico cria trincheiras”, afirmou um cidadão ouvido pela reportagem, conhecido por sua postura crítica e atenção à política local.
O único indiciamento realizado pela CEI recaiu sobre representantes da empresa LX7 Tecnologia, contratada pelo município, acusados de desobediência por se recusarem inicialmente a fornecer imagens de câmeras de segurança que poderiam comprovar um encontro entre o ex-prefeito e um dos investigados. As imagens só foram liberadas após determinação judicial.
Mesmo diante de denúncias graves, como abastecimentos que superam em até 280% a capacidade dos tanques dos veículos da frota pública e transferências financeiras destinadas a veículos não pertencentes ao município, o relatório final evitou conclusões diretas sobre a autoria dos crimes, preferindo transferir toda responsabilidade de análise ao Ministério Público.
Para muitos, foi uma oportunidade perdida àqueles que diziam estar “limpando” a corrupção e a política local.
O tom de crítica e indignação ecoa nos bastidores da política e em rodas de conversa da cidade. “A CEI começou com um discurso de seriedade e compromisso com a verdade, mas terminou como mais uma peça protocolar no teatro das investigações ineficazes. A pergunta que fica é: quem a CEI quis proteger?”, questionou um morador, durante conversa em um comércio tradicional da cidade.
Um jurista consultado pela reportagem, sob condição de anonimato, foi direto:
“A diferença de postura entre as duas CEIs é gritante. Aqui, não se trata de falta de provas, mas de falta de disposição política para seguir até o fim. A ‘Operação Enxofre’ deixa marcas de blindagem seletiva”.
Agora, o futuro da investigação recai às mãos do Ministério Público, a quem caberá cumprir o papel que a CEI abdicou de exercer: identificar, responsabilizar e, se for o caso, denunciar os envolvidos por crimes contra o erário.
A responsabilidade permanece coletiva
Reforçamos que a presunção de inocência é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito – e jamais será dever da imprensa substituir o papel da Justiça. Contudo, é também missão de uma imprensa séria apontar onde os poderes públicos falham ou hesitam em cumprir sua função.
A sociedade espera da Câmara Municipal não apenas discursos inflamados, mas ações concretas que resistam às pressões políticas e econômicas. E quando o silêncio parece estratégico, cabe à imprensa e à população questionar: a quem serve essa omissão?

*Reportagem publicada no impresso Jornal TRIBUNA da Cidade – Edi. 199 - outubro 2025
